domingo, 24 de abril de 2011

Prologue - Na Hora de Minha Morte



Os passos ecoavam no chão de pedra brilhante.
A distância do começo ao fim do corredor diminuía a cada passo cambaleante, porem firme, que o comandante dava decidido, à porta ao final. As paredes de mármore branco polido, adornadas com texturas variadas refletiam a face séria do homem que carregava as noticias a seus superiores. O elmo em cima de seu cabelo preto fazia latejar feridas, e escondia o sangue seco de sua nuca.
“Jure, por favor, capitão!” A voz martelava em sua cabeça.
O ferimento em seu ombro ainda doía.
A expressão dos seus companheiros mortos, deitados em meio à sujeira, ainda estava em sua mente. Ele jurara proteger seus amigos, e falhara. A única coisa que podia fazer era certificar-se de que suas mortes não seriam em vão.
Os dois soldados de armaduras brancas e espessas, imponentes como estatuas, parados em cada lado do corredor, lhe deram passagem quando ele se aproximou e acenou, e ele empurrou a porta dupla com as duas mãos.
- Nabradia caiu! - soou grave a voz dele pela sala assim que ele entrou.
Os cinco homens na sala encararam o comandante Marlon, enquanto ele respirava pesadamente parado a porta. Os soldados em cada canto da sala diminuíram a tensão com que seguravam suas armas por um segundo e baixaram as cabeças, sentindo a perda de seus companheiros, talvez familiares.
O murmúrio surdo de surpresa ecoou nas vozes dos homens e anciões que estavam ali parados, examinando os mapas holográficos.
Cada um fechou os olhos, sentindo a derrota que sofreram.
- Se Nabradia realmente caiu, - disse finalmente um homem de vestes escuras – temos poucos aliados restantes.
Lord Frederic, o rei, bateu com o punho na mesa, para exaltar sua decepção.
- E é uma questão de tempo até que alcancem Coda. – exclamou tristemente.
Tal afirmação os fez voltar ao clima de preparação, pois não havia tempo a se perder em lamentos uma vez que os inimigos os alcançassem. Os cinco homens desistiram de orar pela perda e voltaram a se reunir em volta da mesa.
Nela, uma perfeita reconstituição em alto relevo de toda a extensão do mundo conhecido por eles mostrava cada passo dos exércitos amigos e inimigos nos mais variados lugares. Montanhas e vales, cidades e aldeias, eram superficialmente mostradas, o que lhes ajudava em muito, embora o rei conhecesse a terra onde nascera como a palma de sua mão.
Apontando a cidade de Itsumo, na fronteira Leste de Coda, para onde varias frentes de batalha inimigas estavam tomando direção, Marlon exclamou:
- Precisamos defendê-la a todo custo!
O rei hesitou por um momento.
- Eu irei - disse Matheus a sua esquerda, destacando seu cabelo e barba, castanho e ralo, entre os grisalhos longos fios dos anciões, ao se aproximar da mesa.
O rosto tão iluminado quanto apreensivo.
Todos o fitaram, sem dizer uma palavra. Ele compreendera que não havia nada a dizer. Ele e Marlon se encararam, mutuamente. Os dois amigos de longa data trocaram palavras em olhares.
- Então irei a teu lado. – respondeu Frederic, de repente, impassível.
O resto dos homens, entre eles os anciões, fitou então o rei profundamente.
Ele, porem, não mostrava nenhum sinal de que reconsideraria a decisão. Olhando para o peito, puxou de debaixo da armadura polida um pingente. O brilho do pequenino diamante branco lhe remeteu ao dia anterior, quando se despediu de Halana, sua rainha e paixão, para partir para a batalha.
Agora iria lutar por ela e por seu povo. Estava na hora de tomar as rédeas da situação. Ou pelo menos era hora de entrar na luta. Luta que havia se estendido por tanto tempo, que o motivo que a iniciara não estava mais na memória daqueles que lutaram nela. Lord Frederic, porem, lembrava muito bem.
Ganância, sede por poder, era tudo que vinha a sua mente quando voltava no tempo em suas memórias ao dia em que seu encontro com os Quatro Irmãos acontecera. Mas as lembranças também doíam quando ele mergulhava nelas.
A lembrança de seu amado pai, que não havia sobrevivido aquele encontro. Alem da vida de seu pai, os Quatro Irmãos agora queriam seu reino.
Seu mundo.
Mas ele não tinha em seu coração nenhuma intenção de permitir isso.
Escondendo o pingente por baixo da armadura novamente, onde ficaria seguro, Frederic deixou a mesa a passos largos, para se juntar a Matheus na porta. Ambos tinham as mãos pressionando o cabo de suas espadas nas bainhas.
- Que os deuses tomem conta de ti. – proferiu um dos anciões, interrompendo o silencio que seguia os passos deles.
Frederic paralisou por um segundo, então se virou e respondeu.
- Se eles me considerarem digno.
E virou as costas, caminhando apressadamente ao lado de Matheus pelo corredor.


A guerra.
A lua estava alta no céu, e multidão parada logo abaixo dela, iluminados.
Mas eles não estavam olhando para cima.


Na praça em frente ao castelo de Itsumo, dois exércitos colidiam. Dois mundos colidiam em nações rivais.
Uma solução primitiva, ventando os anos de frustração.
Bravamente esperando, contra todas as chances, pois havia muito em risco, já que sua liberdade estava no topo da barganha, a guerra era incorporada pelos milhares de soldados, guerreiros, que ali batalhavam.
Não por suas vidas, mas por algo que imaginavam ser mais importante.
A cabeça de um soldado era partida pela espada de um inimigo, quando parte da torre acima deles despencou ao chão com um estrondo. Os destroços esmagaram todos no local. Outra tropa de guerreiros marchava de encontro à tropa inimiga, embaixo da ponte que ligava a torre semi-destruída do castelo de Itsumo ao resto da cidade.
Na cidade, a batalha se tomava lugar em toda a parte. O barulho de metal chocando em metal zunia pelas ruas, ao passo que só era silenciado pelas explosões que as tropas aéreas causavam em seus vôos rasantes.
Um perfeito balanço, entre magia e tecnologia, é o que era concentrado nas pequenas naves que sobrevoavam a batalha, dizimando grupos inteiros de combatentes. Euforia era o que sentia os pilotos que comandavam tais potentes armas de guerra.
Duas sobrevoavam o lado leste da cidadela, quando uma delas explodiu em uma bola de fogo.
Perdendo contato com seu companheiro, a outra nave procurou por seu exterminador, apenas para encontrar a destruição também nos projeteis que uma catapulta lançava de cima da ponte.
O exercito dos Quatro Irmãos se mostrava muito superior ao de Frederic, mas a batalha não estava decidida ainda, pensou o Rei.
Cavalgando seu cavalo pela ponte, observando cada inimigo pela viseira de seu elmo, ele desceu o braço que segurava a espada no guerreiro que passou ao seu lado. O soldado caiu morto as patas de seu animal. Sem tempo para imaginar se aquele soldado tinha alguém lhe esperando em sua casa, família ou algo assim, ele esporeou o cavalo em direção ao calor da batalha.
Matheus fazia de suas flechas a perdição de seus inimigos, e mantinha sua espada descansando. As vidas que tirara naquela noite o visitariam em seu sono, ele se lembrou.
Cansado, o rei cavalgava para lá e para cá, desferindo golpes a esmo. Continuava a lutar, tendo Matheus em sua retaguarda o acompanhando e o protegendo.
Ambos lutavam ferozmente contra uma tropa na ponte, protegendo a catapulta de seu exercito, decapitando cabeças e abrindo armaduras com floreios de espadas. Mas para cada um que derrubavam, dois tomavam seu lugar.
Matheus concluiu que era inútil.
- Estamos perdendo - gritou ele para o rei – Retirar.
Lord Frederic ouviu as palavras de Matheus, e não as aceitou de imediato. Levantou os olhos para o céu. As unidades aéreas de batalha circundavam a cidade de Itsumo, como se fossem moscas rodeando um prato de sopa, e batalhavam as tropas externas do rei.
- O Escudo ainda está de pé – respondeu Frederic confiante.
E toda vez que uma unidade aérea tentava se aproximar da cidade, ela era repelida por uma barreira mágica, azulada, que envolvia a cidade em proteção como uma cúpula gigante.
Frederic confiava muito bem naquela proteção. O Escudo, era como a chamavam.


Uma das tropas do exercito dos Quatro Irmãos, posicionada dentro do castelo do governante de Itsumo, esmigalhava o grupo de guerreiros que defendia a sala mais importante da batalha naquele momento. Não havia resistência pelo lado dos protetores, uma vez que a força de seus adversários sobrepujava a deles em vários aspectos.
O ataque foi rápido. E mortal.
Após quebrar o pescoço do ultimo soldado com as próprias mãos, o comandante recebia em sua mente uma mensagem de seu superior. Ficou surpreso ao perceber que a mensagem era de um dos Quatro Irmãos, próprios regentes do seu exercito:
“Mate todos os feiticeiros.”


Dentro da sala, os feiticeiros anciões estavam posicionados ao redor de um obelisco de pedra, que emulava a torre mais alta do castelo. Entoando um canto, com as mãos ao alto, eles conjuravam a magia que dava forças ao Escudo. O obelisco era envolto em uma massa azul, gelatinosa, como a própria cidade, e assim era mantido pelo feitiço que eles cantavam. A proteção era mais poderosa que qualquer coisa que já havia sido conjurada por magia, e aquilo estava garantindo a batalha para Lord Frederic.
Os cinco feiticeiros não se distraíram quando a porta da sala explodiu, dando caminho a soldados com armaduras cobertas de sangue, e espadas em punho, apontando para o alto. O brilho refletido pelas laminas projetando todo tipo de pensamento ruim em mentes mais fracas, que poderiam facilmente enlouquecer apenas à visão de tais inimigos. Cada feiticeiro abaixou os braços calmamente, e encarou seu próprio algoz.
Ao mesmo tempo, cinco espadas cortaram o ar em direção ao chão, e ao mesmo tempo, o sangue de cada feiticeiro jorrou. O canto se silenciou.
Os soldados embainharam suas espadas manchadas de sangue, e quando correram os olhos dos cadáveres no chão, perceberam a magia sendo interrompida ao que a massa azul em volta do obelisco ia lentamente desaparecendo.


Outro destroço do castelo ruía, e caía, destruindo um dos fins da ponte.
Matheus atirava flechas em todos os inimigos que conseguia colocar os olhos, enquanto Lord Frederic ainda bradava sua espada em todos que cruzavam seu caminho. Os dois enfrentavam firmemente as tropas inimigas, agora com a ajuda de uma elite de seu próprio exercito.
Eles, porem, ainda estavam em desvantagem.
Matheus acertou o olho de um soldado com uma flecha, atravessando seu elmo, quando o viu mirar seu arco no soldado que manipulava a catapulta. Olhando a sua volta, não conseguiu entender porque cada soldado encontrava a morte na espada inimiga.
“Por qual razão homens desembainham espadas contra os outros?” se perguntava. Uma única resposta, ele tinha. “Guerra.”
Uma voz lhe puxou para fora do transe.
- O Escudo foi neutralizado – gritou um soldado apontando o braço pro alto.
Em instinto e medo, Matheus subiu os olhos ao céu, apenas para ver o Escudo sendo rompido quando catorze unidades aéreas adentravam a cidade pelo ar destruindo outra torre do castelo, fazendo a ruir e amassar vários soldados quando chegou ao chão.
Seu coração doeu.
- Então acabou. – concluiu a si mesmo.
Esporeando seu cavalo, ele partiu em direção lord Frederic. Disparou duas flechas, acertando dois soldados que se aproximavam do rei sem que ele os visse. Agradecendo em silencio, Frederic sorriu.
A poucos passos de distancia do rei, Matheus sentiu algo lhe eriçar as orelhas.
Uma flecha passara raspando ao lado de sua cabeça, e atingira Lord Frederic no peito. Frederic sentiu a flecha lhe atravessar a armadura e perfurar sua costela, então seu pulmão.
A batalha emudecera. A espada caiu de sua mão, já não tinha mais força para segurá-la.
Matheus lançara longe seu elmo, custando a acreditar no que via ao mesmo tempo em que aceitava o que acontecera. Como um raio, ele lançou outra flecha no ar, atingindo a testa do soldado que disparara, matando-o instantaneamente. Seu corpo caiu para o lado e foi pisoteado pelos soldados que vinham correndo ansiosamente para batalhar.
Chegando perto do rei caído, Matheus o puxou para seu cavalo, e esporeou o seu animal, fazendo correr a extensão da ponte.
¬- Matheus... - ele ouviu Frederic chamá-lo baixinho – leve me para casa.
- Está tudo bem, amigo – tentou confortá-lo, apesar de tudo – vamos sair daqui logo.
- Matheus – Frederic chamou de novo, e o assustou por sua voz firme e lúcida. Olhou para ele, e viu dois olhos castanhos lhe encarando, olhos que temiam por algo – eu quero que leve meu corpo para casa.
Matheus entendeu.
Mas ao levantar os olhos para enxergar o caminho á frente, puxou as rédeas para frear seu cavalo quando se viu encurralado por soldados inimigos á frente, e na retaguarda.
Ele mordeu o lábio, sem alternativas, e fitou o corpo inerte do rei em sua sela, em seus poucos segundos restantes. Temendo por sua vida, Matheus observou mais e mais soldados inimigos se aproximarem. Olhando para os lados em busca de uma saída, mas inutilmente. Estavam cercados. Preparou em seu arco flechas, quando uma explosão acima de todos eles desviou sua atenção.
O resto de uma torre era bombardeado pelas unidades aéreas e agora estava caindo também. O telhado circular da torre destruiu um trecho de 3 metros a sua frente em sua queda, da ponte, matando instantaneamente amigos e inimigos em igual.
Mas isso não dava uma saída a Matheus.
Derrubando um inimigo com uma flechada, ele tomou uma decisão e esporeou seu cavalo para frente, seu objetivo era saltar o trecho que despencara. O outro lado estava livre de inimigos, e havia uma chance de poder escapar por lá. Um plano justo era o que lhe pareceu a principio, mas era tarde demais para desistir.
Ele se sentiu feliz por ter tido aquela idéia, no segundo em que avistou uma unidade aérea vindo em sua direção, os disparos de energia atingindo o lugar em que estava há instantes atrás.


Não havia muita distancia a se tomar para o salto, mas ele acreditava que conseguiria facilmente. Talvez estivesse errado, ele pensou, quando o chão desapareceu debaixo dos pés de seu cavalo e ele sentiu o vento mais forte no rosto.
O relincho de sua montaria cortou o ar.
Ele saltara como se também tivesse certeza de que conseguiria chegar ao outro lado. De fato, Matheus também acreditava.
Estavam na metade da distancia, e parecia a ele que iriam conseguir.
Segurando firmemente o corpo de Frederic preso à sela com uma mão, e com a outra a rédea de seu cavalo, Matheus rezava para que estivesse certo quando calculara tudo. Ele fechou os olhos e rezou novamente.
Abriu os olhos somente quando sentiu um baque embaixo de si, o que significava que o cavalo havia chegado ao outro lado. Frederic quase escorregou para o chão quando Matheus relaxou o braço, dando graça de que havia conseguido. Mas ele segurou firmemente o rei a tempo.
A sorte, porem, ainda não estava totalmente do seu lado.
O pedaço do chão em que eles aterrissaram começava a ruir sem aviso, o peso deles contribuindo para a queda da já prejudicada estrutura da ponte. Seu cavalo não ousou se mover quando ele o mandou andar para frente, e Matheus sabia por quê. Um passo poderia acelerar a queda, já que as rachaduras eram perigosamente visíveis.
Tinham poucos segundos, apenas instantes antes de despencarem.
- não dá pra acreditar que vamos morrer assim. Eu prometi a você. – ele praguejou ao vento, para que Frederic também ouvisse.
Dois segundos, ele observou ao seu lado o piso da ponte se rachando, e algo que ele jamais esperaria aconteceu.
Seu cavalo se inclinou para frente, jogando ele e Frederic para o chão, longe da parte que estava se destruindo. Os dois aterrissaram com um baque, e Matheus levantou no mesmo instante, voltando correndo para socorrer o animal.
Mas chegara tarde demais.
O piso ruiu e ele despencara para o chão, muitos e muitos metros abaixo. Se jogando ao chão inutilmente, Matheus o observou virar um pontinho negro enquanto caia mais e mais.
- Agro! – ele chamou baixinho, lagrimas quase escapando de seus olhos. Não houve resposta.
Continuou observando por mais alguns instantes, quando algo atingiu o chão a poucos centímetros de sua cabeça, desviando sua atenção. Ele viu quicar no chão uma flecha, e olhou para o outro lado da ponte, onde arqueiros inimigos estavam mirando nele. Ele se levantou, rebateu uma flecha com sua espada, e correu para Frederic, o amigo que ainda precisava dele.
Ele o carregou em seus braços, começando a correr o resto da extensão da ponte, desviando como podia dos projeteis que voavam mirando suas costas. A lembrança do sacrifício de seu cavalo ainda na mente, ele correu tanto, apesar de estar exausto. Precisava tirar Frederic de lá. Já perdera um grande amigo naquela noite, não iria de modo algum perder outro. Esse pensamente lhe deu forças, enquanto corria por entre as ruas de Itsumo, aqui e lá, passando por cadáveres em cada esquina.
Mas ele mantinha a respiração firme, os olhos concentrados, e o objetivo em sua mente.


Palácio de Coda, dois dias depois.

-... E então lá encontrarás, por fim, a paz. Faram.
As palavras do sacerdote causaram mais dor em Halana do que ela havia previsto.
Reunidos naquele amplo salão com paredes brancas, o clima que emanava da tristeza de todos os presentes era o que mais enegrecia a atmosfera do lugar.
Halana continuou em silencio, mesmo quando todo o povo de Coda entoou um canto para o memorável rei que sucumbira para a guerra. Guerra que eles estavam perdendo, infelizmente.
Lá fora, a chuva caía forte, como se até mesmo o céu estivesse chorando.
Ela se levantou, e encarou a sua frente, seu amado rei. Frederic parecia estar em paz, ela se confortou com esse pensamento. Deitado, com as mãos cruzadas, vestido com a sua armadura branca polida. A última vez que eles se encontrariam antes que a hora dela também chegasse.
Ela se aproximou dele, e repousou a mão em seu ombro.
- Quanta falta você me faz... - ela não conseguiu segurar suas lagrimas.
O rosto dele, tranqüilo e sereno, confortava-a como ela jamais esperara.
O silencio entre eles era feito por palavras que ela queria ter lhe dito. Seu coração doía por ele ter lhe sido tirado tão bruscamente. Mas ela não estava sozinha naquele momento. Tinha algo que a lembraria dele para sempre. Porem, ter algo para lembrar-se dele seria afirmar que poderia esquecê-lo, e ela jamais faria isso.
- Eu vou cuidar dela, e vou ensiná-la o certo e errado, e ela será justa e boa, como você foi para nós. – ela calou, silenciada por uma lagrima que deslizou pela maça de seu rosto.
Ela enxugou a lagrima com as costas da mão, e se curvou para beijá-lo na testa.
A pele fria lhe congelou os lábios por alguns segundos. Ela desejou que sua pele também estivesse fria, porque preferiria passar a eternidade ao lado dele do que viver sozinha naquele mundo.
Minutos se passaram, ela continuou olhando para ele.
Esperava que do nada ele se levantasse, desse uma gargalhada rouca como era seu costume, e saltasse para o lado dela, perguntando quem estava ganhando a batalha, ansioso para entrar nela. Esperava que ele a abraçasse mais uma vez, e a fitasse com olhos de paixão, porque isso a faria se sentir viva uma vez mais.
Ela precisava daquilo.
- Minha rainha, - uma voz lhe tirou de sua utopia imaginaria. Era um dos conselheiros de seu marido. Ele a fitava com tristeza entre os cabelos grisalhos que lhe cobriam o rosto, porque imaginava saber o que ela estava sentindo. Mal sabia ele não chegava nem perto. – temos de ir. O tempo nos falta inexplicavelmente, nestes últimos dias. Tanto que não temos suficiente nem mesmo para chorar por nossa desgraça.
Sua voz foi gentil, mas Halana sabia que ele estava impaciente quanto aos assuntos da guerra que chegava a eles em suas casas. Todos estavam, mas ninguém se pronunciava. Halana sabia a resposta para o que aconteceria a eles agora, mas doía muito dizê-la em voz alta.
- o tempo corre igual, conselheiro – respondeu ela, distante, se virando para encará-lo – nós é que nos movimentamos mais lentamente.
O homem continuou em silencio, então Halana fez um sinal para que a deixasse por mais um instante. Ele se afastou em silencio, se curvando educadamente.
Ela voltou sua atenção para o rei. Despediu-se silenciosamente dele. Palavras naquela altura eram inúteis. Um último beijo em sua testa gelada, como uma assinatura, um contrato de amor eterno, e uma maneira de dizer a ele para esperar por ela.
Se afastando de Frederic, ela fechou os olhos, enquanto as tochas crepitantes desciam ao encontro do rei. Quando a primeira chama cresceu, suas lagrimas caíram.
Assistindo o único homem que amara sendo cremado, ela tomou uma decisão.
Deixando a capela a passos firmes, ela sorriu como nunca sorrira na vida. Ela desceu as escadas com cuidado, o pensamento fixo em algo muito a frente. Um comitê de políticos e soldados a aguardavam no fim da escadaria, todos a observavam.
A rainha solitária caminhando com um sorriso no rosto. Ninguém compartilhou desse sorriso.
Massageando sua barriga suavemente, ela concretizou em palavras parte de seus pensamentos. Somente ela ouviu sua voz.
- O nome dela vai ser... Nayara.

Nenhum comentário:

Postar um comentário