segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Chapter IV - Cínthia & Phillip


As folhas se desmanchavam aos passos apressados de Cínthia pelo caminho sombrio que levava a qualquer lugar ainda mais misterioso que o atual.
- Talvez uma saída, ou um lugar pra me esconder...
Não era medo que tomava conta dela, mas o pressentimento de perigo iminente e próximo, esperando a cada curva que ela fazia tentando enxergar um caminho por onde continuar. Enquanto corria, tentava lembrar-se de quais acontecimentos desencadearam o despertar de algumas horas atrás em um lugar totalmente desconhecido, mas inutilmente.
Ela era uma jovem muito bonita, e ainda assim muito inteligente. Seus olhos penetrantes despertavam certa intimidação, à primeira vista, mas após minutos de conversa via-se a real dona deles: a moça modesta, gentil e humilde que possuía extraordinária inteligência.
Lembrava-se dos vários livros em que passara os últimos dias, totalmente entretida, em busca de mais conhecimento, apesar de já haver devorado muitos e muitos livros em sua vida.
A facilidade em armazenar informações era muito útil, mas quase lhe trouxe problemas.
Lembrou-se de seu primeiro semestre na escola: Suas primeiras notas, extremamente altas, chamaram atenção, e despertaram suspeitas. Cautelosa, Cínthia desde então tentava tirar apenas pontuações medianas. “De onde viria tal precocidade?” ela se perguntava.
Seus pais não tinham nada de extraordinário, e não exibiam vantagens genéticas óbvias. Talvez ela apenas tenha decidido ser inteligente, e não o contrário. O desejo, apenas isso. Querer ser inteligente ou não, era a escolha.
“Talvez tal decisão caiba a todos”, ela pensava, “embora esta seja uma afirmação cruel!”
Um ruído em algum lugar ás suas costas fez Cínthia prender a respiração e parar de se mover. A tensão corria por suas veias quando dentre as arvores surgiu um jovem de cabelos compridos e roupas surradas. As roupas atuais dele denunciavam que ele era do mesmo mundo onde ela antes vivia.
Ele parecia estar em pânico e não havia percebido a presença dela até que se levantou do chão. Olhou para ela assustado e ofegou:
- Ei, corre garota. Eles estão vindo, corre...
Sem tempo ou argumentos para discutir, Cínthia se pôs a correr, e apesar de ter passado o dia inteiro caminhando, o cansaço parecia não estar causando nenhum efeito.
- Do que é que estamos correndo afinal? – gritou após algum tempo, prevendo uma resposta que provavelmente não iria gostar.
- Apenas corra se quiser se salvar.
Essas palavras foram suficientes para que Cínthia corresse com mais vontade ainda.
Com os longos cabelos negros em seu rosto, sacudidos pela velocidade com que corria, o caminho a frente de seus pés era difícil de encontrar.
Então o cansaço começou a despontar assim que entraram em uma densa floresta.
Os minutos se passaram sem que nenhum dos dois suspirasse uma única vez, mas logo Cínthia desistiu de correr e segurou o rapaz que corria a sua frente pelo casaco, levando-o ao chão.
- Pare... Para de correr... Não há ninguém atrás de nós.
O rapaz olhou com uma cara feia por tê-lo derrubado, mas logo levantou e se curvou para tentar recuperar um fôlego que não havia perdido. Então Cínthia pediu:
- Me diz quem é você.
Após alguns segundos, se endireitou e começou a falar em tom apressado:
- desculpe... – ele parecia desconcertado e suas palavras eram hesitantes - Meu nome é Phillip. Eu... Eu acordei há algum tempo atrás, não muito longe daqui. Eu não consegui me lembrar de como fui parar lá.
- Não se lembra de nada? – perguntou Cínthia, desanimada.
- Bom, a última coisa que eu me lembro é de fumar meu quarto baseado na estação de metrô. Muito louco...
Ele se calou ao fitar o olhar dela. Então ela se aproximou.
- Cínthia. Prazer. - tentando ser educada apesar das circunstâncias, estendeu a mão.
- Oh... Sim... Imenso prazer! – irônico, ele a cumprimentou. Olhando ao redor, perguntou. - Faz alguma idéia de onde estamos?
- Sei tanto quanto você. – Cínthia correu os olhos pelas arvores - Também acordei há algumas horas atrás, sem nenhuma lembrança de como vim para aqui. E essa floresta aqui não parece muito segura. Ainda mais quando tem alguma coisa atrás de você. O que era?
- Eles são rápidos! e silenciosos... – começou ele.
Os olhos dele se encheram de pânico, mas antes que pudesse continuar, algo passou zunindo em suas orelhas. Ambos pararam de falar e olharam para os lados.
As folhas das arvores se movimentavam ao vento, e a brisa da noite escura passava por seus rostos com leveza. Cínthia fixou os olhos nos muitos arbustos que estavam à volta dela e de Phillip, cercando-os.
O vento também movimentava suas folhas... Algumas mais que as outras.



Se movimentando contra o vento... Notou ela.
Pela primeira vez, ela cometeu um erro ao pensar. Ela deveria ter corrido. Pois dos aparentes arbustos que ali estavam, saltaram quatro homens com expressões zangadas. O primeiro deles sufocou o grito de Cínthia, e segurou suas mãos com a ajuda de outro companheiro. Phillip, no reflexo, derrubou um deles com um soco, mas logo foi atingido pelo chute do que restara.
De joelhos, Phillip sentiu um pé em seu estomago e o gosto de sangue na boca.
Cínthia conseguiu acertar uma cotovelada no nariz daquele que a segurava, afrouxando o abraço violento em que estava presa. Mas foi apenas para irritá-lo, pois não demorou muito para que ele a segurasse novamente.
Uma adaga comprida, obscenamente afiada, lhe foi comprimida contra sua garganta, e então ela parou de lutar. O rosto vil do homem que a encara lhe enojou. Dentes podres e barba mal feita, as bochechas sujas. O fedor era o pior. Nenhum deles cheirava bem.
- conseguimos capturar dois macaquinhos para nós – disse um deles, zombeteiro, causando risos nos colegas.
Phillip se levantava com a ajuda violenta de dois homens. Estava de pé agora. Relutante, porem firmemente preso entre fortes braços inimigos.
O único homem que estava livre, já que um companheiro dominava Cínthia e os outros dois, Phillip, começou a examinar este ultimo enquanto passava a mão pelos longos cabelos negros. À frente dele, levantou a outra mão na altura do rosto de Phillip, e segurou seu queixo. Virando seu pescoço para examinar os dois lados da face do rapaz, então recuou e se virou.
- É saudável... – disse ele – talvez tenhamos que lhe escalpelar, mas ainda conseguiremos uma boa grana, na cidade mais próxima.
“Traficantes... De escravos?” concluiu Cínthia silenciosamente.
E então ele se dirigiu a ela.
Puxando uma espada da bainha a seu cinto, o barulho a arrepiou. Ele passou a mão com unhas sujas pela extensão do rosto dela, examinando-a com um brilho malicioso no olhar. Ela ainda o encarava com nojo, não importando que ele correra o fio da lamina de sua espada por sua bochecha.
- Está aqui é bonita... – exclamou ele, fixando seu olhar nos olhos dela. – conseguimos muito mais que pensávamos rapazes.
Mais que nunca, ele a enojava. Mantendo os olhos na espada suja do homem, ela se perguntou “Quem é que ainda usa uma arma dessas hoje em dia?”.
Então ele baixou a arma, e se distanciou.
- Então vamos indo. Amarra-os. – ordenou.
Os homens que seguravam Phillip riram. Um deles puxou sua própria espada de algum lugar de sua cintura, e acertou com toda a força o cabo na parte de trás da cabeça de Phillip, levando-o ao chão, desfalecido.
Um deles amarrou uma corda aos pulsos e canelas dele, prevenindo qualquer tentativa de fuga. Então o ergueu em um urro, e o colocou em seu ombro, e saiu cambaleando atrás de seu chefe.
Cínthia levou trinta segundos para assistir aquilo que somente levara dez para acontecer. Então se assustou quando sentiu seus próprios pulsos sendo amarrados. Entretanto, o homem não lhe atara as pernas, permitindo a ela andar normalmente, e foi o que ela fez quando ele a empurrou para frente. Relutante, pressionada pela adaga lhe pinicando as costas, ela seguiu os outros homens, ficando um homem de distância de Phillip.
O líder ia à frente. Andaram por cerca de meia hora, na qual Cínthia tentava vislumbrar de Phillip mais que um relance de seus cabelos esvoaçando. Ela examinava cada um dos seus captores, e havia chegado a uma conclusão sobre cada um deles.
Seus pulsos estavam vermelhos, devido às cordas terem raspado sua pele. Estava coçando e doendo. Ela se sentia desconfortável. E não duvidava que a posição de Phillip fosse mais segura que a dela.
Estava quase anoitecendo, embora o dia estivesse claro o suficiente para se enxergar normalmente. A lua já estava no céu, e o sol se escondia atrás de nuvens. Parecia que poderia chover a qualquer momento. Então pararam de andar, quando encontraram uma clareira. Ao que Cínthia adentrou a clareira, ela viu o acampamento dos homens.
Uma pequena fogueira circundada de pedras estava no centro, variedades de panelas e potes a rodeavam. Troncos estavam postos em volta da fogueira também. Do outro lado, quatro cavalos marrons estavam amarrados, selas com vários suprimentos e bugigangas. Cínthia observou detalhadamente os cavalos, as crinas negras, os olhos penetrantes. Sentiu compaixão pelos animais, e suspeitava que eles também sentissem por ela, ao observarem sua situação.
O homem que carregava Phillip chegou trotando para perto dos cavalos, e descarregou Phillip no chão com violência. Este não dera sinais de que acordara.
- Falta algum tempinho para anoitecer... – disse o homem, voz áspera, se sentando – o que podemos fazer?
O líder se aproximou
- Podemos tentar voltar. – sugeriu em tom grave – cobriremos um bom tamanho de terra antes que o sol se ponha.
- Não – protestou o homem que trouxe Cínthia – vamos descansar e amanha partiremos. Estou com fome.
Os três homens concordaram e sentaram nos troncos.
Cínthia começou a prestar atenção na pequena porção do chão onde a grama não cobria, e o solo era de terra marrom. Seus olhos se fixaram ali por alguns segundos, quando ela percebeu que uma poeira se levantava da terra. Ela olhou em volta para tentar descobrir o que estava havendo, quando notou os quatro homens olhando para cima. Instintivamente, sem ao menos sentir seu pescoço se mover, ela levou os olhos ao céu.
Ela, porem, não conseguia vê-lo.


No espaço entre os galhos das arvores onde se poderia ver o céu, havia algo bloqueando a vista. Cínthia conseguiu distinguir, longas faixas de madeira, algo semelhante ao casco de um barco.
“Mas um barco no céu?” ela se perguntou ao mesmo tempo em que concluía ser impossível tal absurdo.
- Aí vai Violet para Coda, bem na hora. – disse desanimado o líder dos homens.
Cínthia abaixou os olhos e observou cada um de seus raptores abaixarem e levantarem a cabeça indiferente e observar a veiculação se movimentando lentamente até desaparecer.  
- o que era aquilo? – as palavras escaparam pela boca de Cínthia, e ela se censurou por seu descuido, quando todos se viraram para ela aborrecidos.
O líder se aproximou dela, se apoiou em seus joelhos, de modo que os olhos dele e dela ficassem na mesmo altura. Ela encarou aqueles olhos castanhos que transmitiam medo ao mesmo tempo em que segurança, e ela teve certeza de que ele não a machucaria. Não naquele momento.
Ela também se perguntou qual seria o nome dele, palavra que suspeitara lhe trazer arrepios se ouvisse.
- Violet – o disse, calmamente, subindo os olhos ao céu interessado, para que ela o fizesse também – um dos navios voadores que foram dispostos pelo rei como meio de transporte. 
Ela desceu os olhos para ele, cautelosa, o que lhe dava o aspecto de estar com medo. Ele olhou para ela também, analisando-a, e Cínthia viu entre a barba negra dele um sorriso. Apenas por um segundo, pois então ele falou de novo.
- Nunca andou em um? – perguntou ele zombeteiro, e sem esperar resposta, se pôs em pé e distanciou-se dela rapidamente.
Cínthia foi deixada sozinha com seus pensamentos.


Quando Phillip recuperou a consciência já havia amanhecido. O clima estava acinzentado, como uma manha de inverno, porem não havia frio no ar. Ele se levantou como pôde, e olhou em volta. As faíscas da fogueira subiam alto, e a clareira estava iluminada. Cínthia estava em um canto, observando o fogo, concentrada. Nem ao menos piscava. Ele tentou fazer um sinal para ela, mas não foi preciso.
- Bom dia, dorminhoco. – disse uma voz ao seu lado – está mais calminho agora?
Resmungando uma resposta, Phillip tentou se levantar, mas foi impedido por um dos homens, que lhe empurrou de volta ao chão. Ele se levantou novamente, e desta vez lançou um olhar a Cínthia, para saber como ela estava, e percebeu o sinal que ela tentava lhe mandar. Lendo seus lábios, ele entendeu o que ela dizia.
Fique calmo.”
Desistindo, ele deitou no chão de terra, olhando para o céu. As nuvens no alto andavam para la e para cá. Ele se sentia cansado, mas se não fosse pelo fato de estar amarrado e em companhias desagradáveis, ele poderia estar apenas descansando ao relento.
Um estrondo alto, porem o tirou de seu estado de tranqüilidade. Não somente ele, mas o barulho despertara a atenção de todos ali na clareira. Como um grito, porem muito mais grave, e fora próximo de onde eles estavam. Poderia ser apenas alguém, mas pela expressão que Phillip viu no rosto do líder, talvez fosse algo muito pior.
Se entreolhando cautelosos, os bandidos desembainharam lentamente suas espadas com um tinido que fez Cínthia e Phillip se arrepiarem. Em silencio, dois dos homens andaram e sumiram entre as arvores. Em silencio também, os outros restantes, o líder e aquele que carregara Phillip, começaram a rondar a clareira em círculos, seriamente atentos às arvores.
Segundos e minutos se passaram, e eles continuaram do mesmo jeito, numa ronda incansável.
Até que um ruído entre as arvores lhes chamou a atenção, era o companheiro deles que voltava. Olhando para frente com a expressão zangada, ele resmungou algo sobre não ser nada.
O líder se aproximou dele, esticando o pescoço para enxergar alem das arvores e o questionou.
- Onde está Michel? – perguntou ele, preocupado.
Cínthia e Phillip se entreolharam preocupados. Uma idéia despontou em suas mentes.
- Bem atrás de mim... – começou ele, se virando.
Mas ficou em silencio ao notar que não havia ninguém atrás de si.
O líder fechou a cara e acenou para que o outro homem fosse em frente. Esse sorriu maliciosamente e saiu andando, desaparecendo por entre as arvores no exato lugar que seu companheiro reaparecera sozinho.
O farfalhar das folhas e o ruído dos galhos desaparecendo lentamente. E pacientemente, os dois bandidos que restaram esperaram. Poucos segundos porem, após seu companheiro ter lhes deixado, eles ouviram um grito agudo ao longe. Reconheceram no mesmo instante que era dele.
Phillip e Cínthia não sabiam se ficavam felizes ou assustados, pois quem dera cabo de seus captores poderia muito bem vir atrás deles depois. O rapaz tomou proveito do segundo que os dois estavam de costas para se levantar, ignorando o fato de que Cínthia sussurrava uma ordem para que não fizesse nada estúpido.
Mas ele não lhe dera atenção.
Ele correu como pode, as mãos e pés agora frouxamente amarradas, e jogou o peso do seu corpo contras as costas do líder, que ainda encarava o verde da floresta a sua volta. Ele caiu no chão fazendo um ruído na grama macia, e então Phillip se viu cara-a-cara com o ultimo homem em pé.
A vantagem era do outro homem, pois Phillip estava amarrado.
Novamente, ele deu o bote, certo de que derrubaria o outro homem também. Mas para sua sorte, seu adversário fora mais rápido, e desviara para o lado. Caindo no chão com um baque doloroso, Phillip não teve tempo de pensar como levantar antes que um pé entrasse em atrito com sua cabeça, o golpe tão forte que o apagou completamente.
O homem riu quando o chutou, divertindo-se à custa de tal situação. A cabeça de Phillip desabou junto ao corpo para o chão, e ele não viu mais nada.  
Assistindo a tudo em silencio, Cínthia decidiu intervir. Não poderia fazer muita coisa, sabia disso, mas nem sequer pensou antes de agir. O líder dos bandidos havia se levantado, ela correu até ele, e fez algo que jamais havia imaginado. As duas mãos amarradas, mas comandadas por uma fúria, um sentimento que não conhecia, algo que a fez não sentir a dor nelas quando as chocou contra as costas dele, para lhe infligir a dor não em si, mesmo quando ele se virou e ela acertou seu rosto.
Nada mais que a vontade de viver, ela queria pensar que fosse.
Ele cambaleou por alguns instantes, e ela aumentou sua investida, batendo com força. Não podia dar espaço a ele, nem tempo. Se ele sacasse sua espada, ela estaria morta. Continuou batendo, mas logo parecia não mais surtir efeito. Ela estava se sentindo cansada.
E esquecera uma coisa muito importante, quando decidiu se atracar com ele:
Havia uma pessoa a mais na clareira. E essa pessoa não estava do lado dela da briga.
Antes que percebesse, Cínthia não podia se mexer mais. Estava envolta em um forte abraço que lhe tirava totalmente sua já limitada ação. Levou alguns segundos para saber quem a estava segurando, que era o malfeitor que nocauteara Phillip.
Se debatendo com violência, tentando se livrar da força do homem, ela chutou e gritou, mas não conseguiu se soltar.
Ao passo que o furioso líder se levantara, e cambaleava em sua direção com sua espada, reluzente porem suja, balançando rente ao chão como um pêndulo letal. Ele chegava cada segundo mais perto, até que Cínthia podia ver seu próprio reflexo nos olhos enraivecidos dele.
E mais uma vez, outra pessoa entrou na clareira, para se juntar ao combate.
Como um raio, um longo bastão improvisado com um galho de arvore qualquer explodiu em pedaços nas costas do homem que a segurava. O impacto atingiu Cínthia também, e ela gritou junto ao urro de seu captor. Ambos caíram no chão.
Ela, zonza. Ele, rastejando pela terra, tentando se levantar.


O desconhecido que acabara de salvar Cínthia se virou em tempo de ver o líder dos bandidos saltar-lhe em cima, a espada firme e ameaçadora na mão. Esse líder, na ânsia de atingir o recém-chegado, no momento que percebera ser ele o culpado pelo desaparecimento de seus companheiros, cometeu certos deslizes ao avançar com demasiada pressa.
Num reflexo, o recém-chegado segurou a mão com a arma, e com a outra lhe acertou um soco no queixo, jogando-o longe.
A espada quicou na terra perto deles, largada de repente. O desconhecido a apanhou, e a arremessou no meio da mata, fazendo-a desaparecer em meio ao verde. Queria uma luta justa, ou ao menos uma que parecesse justa. Para ele e para seu adversário.
- vamos lá – sussurrou ele, para si mesmo – levanta, levanta!
Mas o líder apenas tossiu e se arrastou pelo chão, atrás de algo para usar como arma. A raiva modificando o julgamento de suas ações. Mas acreditava que a raiva seria aquilo que o ajudaria a vencer, e a matar novamente. Sempre fora assim, lembrou.
O desconhecido esperou pacientemente, mas levou muito tempo para a adrenalina correr por suas veias outra vez. Aquele que ele derrubara quando chegara havia se levantado.
Mais silencioso do que alguém jamais apostaria que ele poderia ser, ele havia se esgueirado para atingir o recém-chegado pelas costas, e assim o fez. Quando o rapaz se virou, ele aplicou-lhe com violência e rapidez o golpe, apertando o quanto podia o pescoço do rapaz, para senti-lo quebrar e o ouvir engolir sua própria língua, morrendo lentamente. Mas falhou novamente.
O rapaz batera com as palmas abertas em seus ouvidos, desorientando-o, por tempo suficiente para que abaixasse e chutasse a parte lateral de suas canelas. Ele caiu no chão com um estrondo, e o rapaz o colocou para dormir de uma vez com um ultimo golpe no rosto.
O mundo se apagou no momento que a mão se chocou contra seu queixo.



O jovem se levantou, massageando o pescoço que ainda doía. Ele andou a passos hesitantes até onde Cínthia estava deitada. Ela estava jogada em meio a terra, a face cansada pela dor que havia sentido.
Mas estava descansando agora, dormindo, em um lugar onde tudo estava em paz.
O rapaz se ergueu e deu as costas para ela, enfurecido pela raiva que estava nutrindo pelos bandidos que capturaram os dois jovens, e andou a passos largos até o líder daqueles homens, que ainda estava deitado na grama, esparramado, derrotado.
Ouviu os passos secos do rapaz que o derrubara se aproximando, e desistiu de fugir. Enterrou o rosto na grama, para esperar pelo que viria a seguir.
Não iria implorar por misericórdia, mas talvez implorasse pela morte.
- nem pense nisso! – a ordem veio de algum lugar atrás dele – levanta!
O homem no chão se virou, e sentiu duas mãos lhe puxarem para cima pela sua camisa. Estava de pé novamente em poucos instantes, e encarava nitidamente pela primeira vez o rosto do recém-chegado.
Dois olhos verdes o encaram, no meio de uma expressão firme e zangada. O homem via naqueles olhos a experiência que somente a vida proporcionava, e entendeu que ele não estava pensando em matá-lo. Não imediatamente, ao menos.
- vou perguntar uma vez – disse o rapaz, os olhos faiscando – para onde você estava levando eles?
Imaginando erradamente que o rapaz fosse alguma autoridade, o líder hesitou por um segundo. E o rapaz notou. Sua mão enterrou no estomago do homem, que se contraiu com a dor. Novamente na posição inicial, o rapaz lhe fez a pergunta novamente. Outras tentativas foram requeridas, até que houvesse algum resultado.
- temos um acampamento nas ruínas próximas a Samantha, ao norte. – disse ele contrariado, entre dentes vermelhos, cuspindo sangue no chão. – íamos nos reunir a eles em alguns dias.
Apontava com uma mão cansada para alguma direção que estava alem das arvores.
Dando-se por satisfeito o jovem o largou no chão com violência, e então lhe chutou o rosto com força. A cabeça do líder pendeu de seu corpo no chão com a pancada, desacordada.
O jovem o observou por alguns instantes, refletindo sobre o que fazer.
Ele se aproximou de Phillip, que ainda estava caído no chão. Havia sangue seco em sua boca, e um hematoma onde o chute que lhe nocauteara o acertou. Apertando seu ombro para acordá-lo, ele esperou poucos segundos para funcionar.
Com um pulo, Phillip abriu os olhos.
- calma, calma – tentou lhe acalmar – eu estou aqui para ajudar.
Phillip absorveu aquelas palavras em silencio, então correu os olhos pela clareira a procura de algo. Aliviou a tensão de seus ombros quando avistou Cínthia não muito longe de onde estava deitado.
- quem é você? – ele disse, se dando conta agora do que Cínthia sentiu quando lhe fez essa mesma pergunta.
- nome é Jude – respondeu o rapaz, estendendo a mão para ajudar a levantá-lo. – e você?
- Phillip – ele respondeu.
- Bom, Phillip, - começou, animado – eu acho que é melhor a gente ir o mais longe daqui possível. O que você acha?
- Concordo plenamente. – respondeu Phillip, mordendo o lábio, examinando os corpos inanimados no chão – você derrubou todos eles?
Jude deu de ombros.
- mais ou menos.
Phillip sorriu. Então seu rosto abriu em um espasmo de surpresa, e ele gritou o nome de Cínthia. Ele correu até onde ela estava caída e se ajoelhou.
- Ela esta apenas dormindo, fique tranqüilo. – disse a voz de Jude atrás dele. – eu já verifiquei.
- o que houve aqui? – Phillip perguntou sem se virar.
- me pareceu que esses camaradas não foram gentis.
- e você?
- digamos que eu os puni.
E sorriu amarelo para Phillip, que tentou levantar Cínthia pelos ombros. Logo se aproximou para ajudá-lo.
- vamos pegar um desses cavalos para levá-la. – sugeriu Phillip acenando com a cabeça.
E assim eles fizeram.



Horas depois, eles já estavam longe do lugar onde quatro homens maus estavam começando a recuperar os sentidos, desorientados e confusos. Jude sabia que não levaria muito tempo para que se lembrassem, dessem por falta de seus cativos e seguirem em direção aos companheiros, alguns talvez tendo que serem carregados.
Ele, Phillip e uma desacordada Cínthia estavam seguindo em direção a oeste, caso ele não tivesse se enganado ao medir os quatro pontos cardeais com agulhas e folhas de arvores em uma poça d’água.
Por que oeste, ele não sabia. Mas já estavam andando havia muito tempo. E o sol estava começando a se pôr. Cerca de meia hora mais tarde, eles pararam para descansar. Era quase noite já, e os dois rapazes estavam ficando com fome.
Jude sugeriu apenas se sentarem e descansarem, mas nesse momento Cínthia acordou. A princípio, ela se assustou com a presença do rapaz, mas Phillip a acalmou.
- calma, ele nos ajudou... – tentou dizer – ele é...
- sou amigo – disse Jude, interrompendo-o, as mãos levantadas para mostrar que não segurava nada, equivocadamente, como se uma arma estivesse sendo apontada para ele.
Phillip explicou com a ajuda do outro rapaz o que houve, e Cínthia finalmente relaxou.
- e de onde você vem? – ela perguntou, já acomodada no chão, onde os três se sentavam.
- de longe. Muito longe – Jude respondeu, misterioso.
Os três começaram a ponderar sobre cada acontecimento, uma vez que nenhum deles fazia idéia do que havia acontecido.
Todas as possibilidades foram consideradas, embora eles soubessem que no fundo nenhuma delas fazia sentido. Cínthia e Phillip contaram ao outro rapaz o que lhes acontecera, e ele contou como havia chegado até eles. Contou sobre o lugar com pedras altas, e sobre as vozes que tentou seguir, mas que perdera de vista. E que quando as reencontrou, juntou as peças e interferiu para salvar os dois jovens.
Phillip contou um pouco sobre si, mas nada que disse ajudou.
Cínthia, Jude e Phillip conversaram e conversaram, e cada um aprendeu um pouco mais sobre o outro. Nesse meio tempo, o sol se punha no horizonte, alem daquele oceano de grama que se estendia a frente deles, mais longe que qualquer um deles pudesse correr.
- eu não sei o que houve, me lembro apenas de dormir em minha cama ontem e acordar hoje embaixo de uma arvore – disse Cínthia, preocupada.
- se isso ajudar, ontem a noite eu dormi no Afeganistão – retrucou Jude, ironicamente, mostrando sua jaqueta camuflada onde tinha seu nome e mostrava sua patente de soldado.
Phillip riu, e sua risada contagiou Jude e Cínthia, e por mais que eles estivessem num lugar totalmente desconhecido, e por sua vez perigoso, eles estavam juntos e encontravam nessa total ignorância um motivo para rir. Aquela risada foi o que os alimentou, durante todo o tempo que eles conversaram sobre os diversos assuntos.
Então o cansaço os abateu, e eles dormiram.
Eles descansaram e sonharam, imaginando um mundo onde não houvesse a aventura que estavam prestes a entrar. Desejaram de coração que tudo acabasse, que suas vidas voltassem ao normal.
A luz do luar passava entre os galhos das arvores, cedendo uma aura cândida ao local de repouso dos viajantes. Os sonhos deles foram banhados pela luz, e os pássaros cantaram pela ultima noite que eles teriam de paz.
As horas correram.
O tempo passava e aquele lugar continuava iluminado, como se não existisse dia nem noite, começo nem fim, apenas os três pontinhos dispersos como estrelas numa galáxia.
                                                                




                                                                J

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