As folhas se
desmanchavam aos passos apressados de Cínthia pelo caminho sombrio que levava a
qualquer lugar ainda mais misterioso que o atual.
- Talvez uma
saída, ou um lugar pra me esconder...
Não era medo
que tomava conta dela, mas o pressentimento de perigo iminente e próximo,
esperando a cada curva que ela fazia tentando enxergar um caminho por onde
continuar. Enquanto corria, tentava lembrar-se de quais acontecimentos
desencadearam o despertar de algumas horas atrás em um lugar totalmente
desconhecido, mas inutilmente.
Ela era uma
jovem muito bonita, e ainda assim muito inteligente. Seus olhos penetrantes
despertavam certa intimidação, à primeira vista, mas após minutos de conversa
via-se a real dona deles: a moça modesta, gentil e humilde que possuía
extraordinária inteligência.
Lembrava-se
dos vários livros em que passara os últimos dias, totalmente entretida, em
busca de mais conhecimento, apesar de já haver devorado muitos e muitos livros
em sua vida.
A facilidade
em armazenar informações era muito útil, mas quase lhe trouxe problemas.
Lembrou-se
de seu primeiro semestre na escola: Suas primeiras notas, extremamente altas,
chamaram atenção, e despertaram suspeitas. Cautelosa, Cínthia desde então
tentava tirar apenas pontuações medianas. “De onde viria tal precocidade?” ela
se perguntava.
Seus pais
não tinham nada de extraordinário, e não exibiam vantagens genéticas óbvias.
Talvez ela apenas tenha decidido ser inteligente, e não o contrário. O desejo,
apenas isso. Querer ser inteligente ou não, era a escolha.
“Talvez tal
decisão caiba a todos”, ela pensava, “embora esta seja uma afirmação cruel!”
Um ruído em
algum lugar ás suas costas fez Cínthia prender a respiração e parar de se
mover. A tensão corria por suas veias quando dentre as arvores surgiu um jovem
de cabelos compridos e roupas surradas. As roupas atuais dele denunciavam que
ele era do mesmo mundo onde ela antes vivia.
Ele parecia
estar em pânico e não havia percebido a presença dela até que se levantou do
chão. Olhou para ela assustado e ofegou:
- Ei, corre
garota. Eles estão vindo, corre...
Sem tempo ou
argumentos para discutir, Cínthia se pôs a correr, e apesar de ter passado o
dia inteiro caminhando, o cansaço parecia não estar causando nenhum efeito.
- Do que é
que estamos correndo afinal? – gritou após algum tempo, prevendo uma resposta
que provavelmente não iria gostar.
- Apenas
corra se quiser se salvar.
Essas
palavras foram suficientes para que Cínthia corresse com mais vontade ainda.
Com os
longos cabelos negros em seu rosto, sacudidos pela velocidade com que corria, o
caminho a frente de seus pés era difícil de encontrar.
Então o
cansaço começou a despontar assim que entraram em uma densa floresta.
Os minutos
se passaram sem que nenhum dos dois suspirasse uma única vez, mas logo Cínthia
desistiu de correr e segurou o rapaz que corria a sua frente pelo casaco,
levando-o ao chão.
- Pare...
Para de correr... Não há ninguém atrás de nós.
O rapaz
olhou com uma cara feia por tê-lo derrubado, mas logo levantou e se curvou para
tentar recuperar um fôlego que não havia perdido. Então Cínthia pediu:
- Me diz
quem é você.
Após alguns
segundos, se endireitou e começou a falar em tom apressado:
- desculpe...
– ele parecia desconcertado e suas palavras eram hesitantes - Meu nome é
Phillip. Eu... Eu acordei há algum tempo atrás, não muito longe daqui. Eu não
consegui me lembrar de como fui parar lá.
- Não se
lembra de nada? – perguntou Cínthia, desanimada.
- Bom, a
última coisa que eu me lembro é de fumar meu quarto baseado na estação de
metrô. Muito louco...
Ele se calou
ao fitar o olhar dela. Então ela se aproximou.
- Cínthia.
Prazer. - tentando ser educada apesar das circunstâncias, estendeu a mão.
- Oh...
Sim... Imenso prazer! – irônico, ele a cumprimentou. Olhando ao redor,
perguntou. - Faz alguma idéia de onde estamos?
- Sei tanto
quanto você. – Cínthia correu os olhos pelas arvores - Também acordei há
algumas horas atrás, sem nenhuma lembrança de como vim para aqui. E essa
floresta aqui não parece muito segura. Ainda mais quando tem alguma coisa atrás
de você. O que era?
- Eles são
rápidos! e silenciosos... – começou ele.
Os olhos
dele se encheram de pânico, mas antes que pudesse continuar, algo passou
zunindo em suas orelhas. Ambos pararam de falar e olharam para os lados.
As folhas
das arvores se movimentavam ao vento, e a brisa da noite escura passava por
seus rostos com leveza. Cínthia fixou os olhos nos muitos arbustos que estavam
à volta dela e de Phillip, cercando-os.
O vento
também movimentava suas folhas... Algumas mais que as outras.
Se
movimentando contra o vento... Notou ela.
Pela
primeira vez, ela cometeu um erro ao pensar. Ela deveria ter corrido. Pois dos
aparentes arbustos que ali estavam, saltaram quatro homens com expressões
zangadas. O primeiro deles sufocou o grito de Cínthia, e segurou suas mãos com
a ajuda de outro companheiro. Phillip, no reflexo, derrubou um deles com um
soco, mas logo foi atingido pelo chute do que restara.
De joelhos,
Phillip sentiu um pé em seu estomago e o gosto de sangue na boca.
Cínthia
conseguiu acertar uma cotovelada no nariz daquele que a segurava, afrouxando o
abraço violento em que estava presa. Mas foi apenas para irritá-lo, pois não
demorou muito para que ele a segurasse novamente.
Uma adaga
comprida, obscenamente afiada, lhe foi comprimida contra sua garganta, e então
ela parou de lutar. O rosto vil do homem que a encara lhe enojou. Dentes podres
e barba mal feita, as bochechas sujas. O fedor era o pior. Nenhum deles
cheirava bem.
-
conseguimos capturar dois macaquinhos para nós – disse um deles, zombeteiro,
causando risos nos colegas.
Phillip se
levantava com a ajuda violenta de dois homens. Estava de pé agora. Relutante,
porem firmemente preso entre fortes braços inimigos.
O único homem
que estava livre, já que um companheiro dominava Cínthia e os outros dois,
Phillip, começou a examinar este ultimo enquanto passava a mão pelos longos
cabelos negros. À frente dele, levantou a outra mão na altura do rosto de
Phillip, e segurou seu queixo. Virando seu pescoço para examinar os dois lados
da face do rapaz, então recuou e se virou.
- É
saudável... – disse ele – talvez tenhamos que lhe escalpelar, mas ainda
conseguiremos uma boa grana, na cidade mais próxima.
“Traficantes...
De escravos?” concluiu Cínthia silenciosamente.
E então ele
se dirigiu a ela.
Puxando uma
espada da bainha a seu cinto, o barulho a arrepiou. Ele passou a mão com unhas
sujas pela extensão do rosto dela, examinando-a com um brilho malicioso no
olhar. Ela ainda o encarava com nojo, não importando que ele correra o fio da
lamina de sua espada por sua bochecha.
- Está aqui
é bonita... – exclamou ele, fixando seu olhar nos olhos dela. – conseguimos
muito mais que pensávamos rapazes.
Mais que
nunca, ele a enojava. Mantendo os olhos na espada suja do homem, ela se
perguntou “Quem
é que ainda usa uma arma dessas hoje em dia?”.
Então ele
baixou a arma, e se distanciou.
- Então
vamos indo. Amarra-os. – ordenou.
Os homens
que seguravam Phillip riram. Um deles puxou sua própria espada de algum lugar
de sua cintura, e acertou com toda a força o cabo na parte de trás da cabeça de
Phillip, levando-o ao chão, desfalecido.
Um deles
amarrou uma corda aos pulsos e canelas dele, prevenindo qualquer tentativa de
fuga. Então o ergueu em um urro, e o colocou em seu ombro, e saiu cambaleando
atrás de seu chefe.
Cínthia
levou trinta segundos para assistir aquilo que somente levara dez para
acontecer. Então se assustou quando sentiu seus próprios pulsos sendo
amarrados. Entretanto, o homem não lhe atara as pernas, permitindo a ela andar
normalmente, e foi o que ela fez quando ele a empurrou para frente. Relutante,
pressionada pela adaga lhe pinicando as costas, ela seguiu os outros homens,
ficando um homem de distância de Phillip.
O líder ia à
frente. Andaram por cerca de meia hora, na qual Cínthia tentava vislumbrar de
Phillip mais que um relance de seus cabelos esvoaçando. Ela examinava cada um
dos seus captores, e havia chegado a uma conclusão sobre cada um deles.
Seus pulsos
estavam vermelhos, devido às cordas terem raspado sua pele. Estava coçando e
doendo. Ela se sentia desconfortável. E não duvidava que a posição de Phillip
fosse mais segura que a dela.
Estava quase
anoitecendo, embora o dia estivesse claro o suficiente para se enxergar
normalmente. A lua já estava no céu, e o sol se escondia atrás de nuvens.
Parecia que poderia chover a qualquer momento. Então pararam de andar, quando
encontraram uma clareira. Ao que Cínthia adentrou a clareira, ela viu o
acampamento dos homens.
Uma pequena
fogueira circundada de pedras estava no centro, variedades de panelas e potes a
rodeavam. Troncos estavam postos em volta da fogueira também. Do outro lado,
quatro cavalos marrons estavam amarrados, selas com vários suprimentos e
bugigangas. Cínthia observou detalhadamente os cavalos, as crinas negras, os
olhos penetrantes. Sentiu compaixão pelos animais, e suspeitava que eles também
sentissem por ela, ao observarem sua situação.
O homem que
carregava Phillip chegou trotando para perto dos cavalos, e descarregou Phillip
no chão com violência. Este não dera sinais de que acordara.
- Falta
algum tempinho para anoitecer... – disse o homem, voz áspera, se sentando – o
que podemos fazer?
O líder se
aproximou
- Podemos
tentar voltar. – sugeriu em tom grave – cobriremos um bom tamanho de terra
antes que o sol se ponha.
- Não –
protestou o homem que trouxe Cínthia – vamos descansar e amanha partiremos.
Estou com fome.
Os três
homens concordaram e sentaram nos troncos.
Cínthia
começou a prestar atenção na pequena porção do chão onde a grama não cobria, e
o solo era de terra marrom. Seus olhos se fixaram ali por alguns segundos,
quando ela percebeu que uma poeira se levantava da terra. Ela olhou em volta
para tentar descobrir o que estava havendo, quando notou os quatro homens
olhando para cima. Instintivamente, sem ao menos sentir seu pescoço se mover,
ela levou os olhos ao céu.
Ela, porem,
não conseguia vê-lo.
No espaço
entre os galhos das arvores onde se poderia ver o céu, havia algo bloqueando a
vista. Cínthia conseguiu distinguir, longas faixas de madeira, algo semelhante
ao casco de um barco.
“Mas um
barco no céu?” ela se perguntou ao mesmo tempo em que concluía ser impossível
tal absurdo.
- Aí vai
Violet para Coda, bem na hora. – disse desanimado o líder dos homens.
Cínthia
abaixou os olhos e observou cada um de seus raptores abaixarem e levantarem a
cabeça indiferente e observar a veiculação se movimentando lentamente até
desaparecer.
- o que era
aquilo? – as palavras escaparam pela boca de Cínthia, e ela se censurou por seu
descuido, quando todos se viraram para ela aborrecidos.
O líder se
aproximou dela, se apoiou em seus joelhos, de modo que os olhos dele e dela
ficassem na mesmo altura. Ela encarou aqueles olhos castanhos que transmitiam
medo ao mesmo tempo em que segurança, e ela teve certeza de que ele não a
machucaria. Não naquele momento.
Ela também
se perguntou qual seria o nome dele, palavra que suspeitara lhe trazer arrepios
se ouvisse.
- Violet – o
disse, calmamente, subindo os olhos ao céu interessado, para que ela o fizesse
também – um dos navios voadores que foram dispostos pelo rei como meio de
transporte.
Ela desceu
os olhos para ele, cautelosa, o que lhe dava o aspecto de estar com medo. Ele
olhou para ela também, analisando-a, e Cínthia viu entre a barba negra dele um
sorriso. Apenas por um segundo, pois então ele falou de novo.
- Nunca
andou em um? – perguntou ele zombeteiro, e sem esperar resposta, se pôs em pé e
distanciou-se dela rapidamente.
Cínthia foi
deixada sozinha com seus pensamentos.
Quando
Phillip recuperou a consciência já havia amanhecido. O clima estava
acinzentado, como uma manha de inverno, porem não havia frio no ar. Ele se
levantou como pôde, e olhou em volta. As faíscas da fogueira subiam alto, e a
clareira estava iluminada. Cínthia estava em um canto, observando o fogo,
concentrada. Nem ao menos piscava. Ele tentou fazer um sinal para ela, mas não
foi preciso.
- Bom dia,
dorminhoco. – disse uma voz ao seu lado – está mais calminho agora?
Resmungando
uma resposta, Phillip tentou se levantar, mas foi impedido por um dos homens,
que lhe empurrou de volta ao chão. Ele se levantou novamente, e desta vez
lançou um olhar a Cínthia, para saber como ela estava, e percebeu o sinal que
ela tentava lhe mandar. Lendo seus lábios, ele entendeu o que ela dizia.
“Fique calmo.”
Desistindo,
ele deitou no chão de terra, olhando para o céu. As nuvens no alto andavam para
la e para cá. Ele se sentia cansado, mas se não fosse pelo fato de estar
amarrado e em companhias desagradáveis, ele poderia estar apenas descansando ao
relento.
Um estrondo
alto, porem o tirou de seu estado de tranqüilidade. Não somente ele, mas o
barulho despertara a atenção de todos ali na clareira. Como um grito, porem
muito mais grave, e fora próximo de onde eles estavam. Poderia ser apenas
alguém, mas pela expressão que Phillip viu no rosto do líder, talvez fosse algo
muito pior.
Se entreolhando
cautelosos, os bandidos desembainharam lentamente suas espadas com um tinido
que fez Cínthia e Phillip se arrepiarem. Em silencio, dois dos homens andaram e
sumiram entre as arvores. Em silencio também, os outros restantes, o líder e
aquele que carregara Phillip, começaram a rondar a clareira em círculos,
seriamente atentos às arvores.
Segundos e
minutos se passaram, e eles continuaram do mesmo jeito, numa ronda incansável.
Até que um
ruído entre as arvores lhes chamou a atenção, era o companheiro deles que
voltava. Olhando para frente com a expressão zangada, ele resmungou algo sobre
não ser nada.
O líder se
aproximou dele, esticando o pescoço para enxergar alem das arvores e o
questionou.
- Onde está
Michel? – perguntou ele, preocupado.
Cínthia e
Phillip se entreolharam preocupados. Uma idéia despontou em suas mentes.
- Bem atrás
de mim... – começou ele, se virando.
Mas ficou em
silencio ao notar que não havia ninguém atrás de si.
O líder
fechou a cara e acenou para que o outro homem fosse em frente. Esse sorriu
maliciosamente e saiu andando, desaparecendo por entre as arvores no exato
lugar que seu companheiro reaparecera sozinho.
O farfalhar
das folhas e o ruído dos galhos desaparecendo lentamente. E pacientemente, os
dois bandidos que restaram esperaram. Poucos segundos porem, após seu
companheiro ter lhes deixado, eles ouviram um grito agudo ao longe.
Reconheceram no mesmo instante que era dele.
Phillip e
Cínthia não sabiam se ficavam felizes ou assustados, pois quem dera cabo de
seus captores poderia muito bem vir atrás deles depois. O rapaz tomou proveito
do segundo que os dois estavam de costas para se levantar, ignorando o fato de
que Cínthia sussurrava uma ordem para que não fizesse nada estúpido.
Mas ele não
lhe dera atenção.
Ele correu
como pode, as mãos e pés agora frouxamente amarradas, e jogou o peso do seu
corpo contras as costas do líder, que ainda encarava o verde da floresta a sua
volta. Ele caiu no chão fazendo um ruído na grama macia, e então Phillip se viu
cara-a-cara com o ultimo homem em pé.
A vantagem
era do outro homem, pois Phillip estava amarrado.
Novamente,
ele deu o bote, certo de que derrubaria o outro homem também. Mas para sua
sorte, seu adversário fora mais rápido, e desviara para o lado. Caindo no chão
com um baque doloroso, Phillip não teve tempo de pensar como levantar antes que
um pé entrasse em atrito com sua cabeça, o golpe tão forte que o apagou
completamente.
O homem riu
quando o chutou, divertindo-se à custa de tal situação. A cabeça de Phillip
desabou junto ao corpo para o chão, e ele não viu mais nada.
Assistindo a
tudo em silencio, Cínthia decidiu intervir. Não poderia fazer muita coisa,
sabia disso, mas nem sequer pensou antes de agir. O líder dos bandidos havia se
levantado, ela correu até ele, e fez algo que jamais havia imaginado. As duas
mãos amarradas, mas comandadas por uma fúria, um sentimento que não conhecia,
algo que a fez não sentir a dor nelas quando as chocou contra as costas dele,
para lhe infligir a dor não em si, mesmo quando ele se virou e ela acertou seu
rosto.
Nada mais
que a vontade de viver, ela queria pensar que fosse.
Ele
cambaleou por alguns instantes, e ela aumentou sua investida, batendo com
força. Não podia dar espaço a ele, nem tempo. Se ele sacasse sua espada, ela
estaria morta. Continuou batendo, mas logo parecia não mais surtir efeito. Ela
estava se sentindo cansada.
E esquecera
uma coisa muito importante, quando decidiu se atracar com ele:
Havia uma
pessoa a mais na clareira. E essa pessoa não estava do lado dela da briga.
Antes que
percebesse, Cínthia não podia se mexer mais. Estava envolta em um forte abraço
que lhe tirava totalmente sua já limitada ação. Levou alguns segundos para
saber quem a estava segurando, que era o malfeitor que nocauteara Phillip.
Se debatendo
com violência, tentando se livrar da força do homem, ela chutou e gritou, mas
não conseguiu se soltar.
Ao passo que
o furioso líder se levantara, e cambaleava em sua direção com sua espada,
reluzente porem suja, balançando rente ao chão como um pêndulo letal. Ele
chegava cada segundo mais perto, até que Cínthia podia ver seu próprio reflexo
nos olhos enraivecidos dele.
E mais uma
vez, outra pessoa entrou na clareira, para se juntar ao combate.
Como um
raio, um longo bastão improvisado com um galho de arvore qualquer explodiu em
pedaços nas costas do homem que a segurava. O impacto atingiu Cínthia também, e
ela gritou junto ao urro de seu captor. Ambos caíram no chão.
Ela, zonza.
Ele, rastejando pela terra, tentando se levantar.
O
desconhecido que acabara de salvar Cínthia se virou em tempo de ver o líder dos
bandidos saltar-lhe em cima, a espada firme e ameaçadora na mão. Esse líder, na
ânsia de atingir o recém-chegado, no momento que percebera ser ele o culpado
pelo desaparecimento de seus companheiros, cometeu certos deslizes ao avançar
com demasiada pressa.
Num reflexo,
o recém-chegado segurou a mão com a arma, e com a outra lhe acertou um soco no
queixo, jogando-o longe.
A espada
quicou na terra perto deles, largada de repente. O desconhecido a apanhou, e a
arremessou no meio da mata, fazendo-a desaparecer em meio ao verde. Queria uma
luta justa, ou ao menos uma que parecesse justa. Para ele e para seu
adversário.
- vamos lá –
sussurrou ele, para si mesmo – levanta, levanta!
Mas o líder
apenas tossiu e se arrastou pelo chão, atrás de algo para usar como arma. A
raiva modificando o julgamento de suas ações. Mas acreditava que a raiva seria
aquilo que o ajudaria a vencer, e a matar novamente. Sempre fora assim,
lembrou.
O
desconhecido esperou pacientemente, mas levou muito tempo para a adrenalina
correr por suas veias outra vez. Aquele que ele derrubara quando chegara havia
se levantado.
Mais
silencioso do que alguém jamais apostaria que ele poderia ser, ele havia se
esgueirado para atingir o recém-chegado pelas costas, e assim o fez. Quando o
rapaz se virou, ele aplicou-lhe com violência e rapidez o golpe, apertando o
quanto podia o pescoço do rapaz, para senti-lo quebrar e o ouvir engolir sua
própria língua, morrendo lentamente. Mas falhou novamente.
O rapaz
batera com as palmas abertas em seus ouvidos, desorientando-o, por tempo
suficiente para que abaixasse e chutasse a parte lateral de suas canelas. Ele
caiu no chão com um estrondo, e o rapaz o colocou para dormir de uma vez com um
ultimo golpe no rosto.
O mundo se
apagou no momento que a mão se chocou contra seu queixo.
O jovem se
levantou, massageando o pescoço que ainda doía. Ele andou a passos hesitantes
até onde Cínthia estava deitada. Ela estava jogada em meio a terra, a face
cansada pela dor que havia sentido.
Mas estava
descansando agora, dormindo, em um lugar onde tudo estava em paz.
O rapaz se
ergueu e deu as costas para ela, enfurecido pela raiva que estava nutrindo
pelos bandidos que capturaram os dois jovens, e andou a passos largos até o
líder daqueles homens, que ainda estava deitado na grama, esparramado,
derrotado.
Ouviu os
passos secos do rapaz que o derrubara se aproximando, e desistiu de fugir.
Enterrou o rosto na grama, para esperar pelo que viria a seguir.
Não iria implorar
por misericórdia, mas talvez implorasse pela morte.
- nem pense
nisso! – a ordem veio de algum lugar atrás dele – levanta!
O homem no
chão se virou, e sentiu duas mãos lhe puxarem para cima pela sua camisa. Estava
de pé novamente em poucos instantes, e encarava nitidamente pela primeira vez o
rosto do recém-chegado.
Dois olhos
verdes o encaram, no meio de uma expressão firme e zangada. O homem via
naqueles olhos a experiência que somente a vida proporcionava, e entendeu que
ele não estava pensando em matá-lo. Não imediatamente, ao menos.
- vou
perguntar uma vez – disse o rapaz, os olhos faiscando – para onde você estava
levando eles?
Imaginando
erradamente que o rapaz fosse alguma autoridade, o líder hesitou por um
segundo. E o rapaz notou. Sua mão enterrou no estomago do homem, que se
contraiu com a dor. Novamente na posição inicial, o rapaz lhe fez a pergunta
novamente. Outras tentativas foram requeridas, até que houvesse algum
resultado.
- temos um
acampamento nas ruínas próximas a Samantha, ao norte. – disse ele contrariado,
entre dentes vermelhos, cuspindo sangue no chão. – íamos nos reunir a eles em
alguns dias.
Apontava com
uma mão cansada para alguma direção que estava alem das arvores.
Dando-se por
satisfeito o jovem o largou no chão com violência, e então lhe chutou o rosto
com força. A cabeça do líder pendeu de seu corpo no chão com a pancada,
desacordada.
O jovem o
observou por alguns instantes, refletindo sobre o que fazer.
Ele se
aproximou de Phillip, que ainda estava caído no chão. Havia sangue seco em sua
boca, e um hematoma onde o chute que lhe nocauteara o acertou. Apertando seu
ombro para acordá-lo, ele esperou poucos segundos para funcionar.
Com um pulo,
Phillip abriu os olhos.
- calma,
calma – tentou lhe acalmar – eu estou aqui para ajudar.
Phillip
absorveu aquelas palavras em silencio, então correu os olhos pela clareira a
procura de algo. Aliviou a tensão de seus ombros quando avistou Cínthia não
muito longe de onde estava deitado.
- quem é
você? – ele disse, se dando conta agora do que Cínthia sentiu quando lhe fez
essa mesma pergunta.
- nome é
Jude – respondeu o rapaz, estendendo a mão para ajudar a levantá-lo. – e você?
- Phillip –
ele respondeu.
- Bom,
Phillip, - começou, animado – eu acho que é melhor a gente ir o mais longe
daqui possível. O que você acha?
- Concordo
plenamente. – respondeu Phillip, mordendo o lábio, examinando os corpos
inanimados no chão – você derrubou todos eles?
Jude deu de
ombros.
- mais ou
menos.
Phillip
sorriu. Então seu rosto abriu em um espasmo de surpresa, e ele gritou o nome de
Cínthia. Ele correu até onde ela estava caída e se ajoelhou.
- Ela esta
apenas dormindo, fique tranqüilo. – disse a voz de Jude atrás dele. – eu já
verifiquei.
- o que
houve aqui? – Phillip perguntou sem se virar.
- me pareceu
que esses camaradas não foram gentis.
- e você?
- digamos
que eu os puni.
E sorriu
amarelo para Phillip, que tentou levantar Cínthia pelos ombros. Logo se
aproximou para ajudá-lo.
- vamos
pegar um desses cavalos para levá-la. – sugeriu Phillip acenando com a cabeça.
E assim eles
fizeram.
Horas
depois, eles já estavam longe do lugar onde quatro homens maus estavam
começando a recuperar os sentidos, desorientados e confusos. Jude sabia que não
levaria muito tempo para que se lembrassem, dessem por falta de seus cativos e
seguirem em direção aos companheiros, alguns talvez tendo que serem carregados.
Ele, Phillip
e uma desacordada Cínthia estavam seguindo em direção a oeste, caso ele não
tivesse se enganado ao medir os quatro pontos cardeais com agulhas e folhas de
arvores em uma poça d’água.
Por que
oeste, ele não sabia. Mas já estavam andando havia muito tempo. E o sol estava
começando a se pôr. Cerca de meia hora mais tarde, eles pararam para descansar.
Era quase noite já, e os dois rapazes estavam ficando com fome.
Jude sugeriu
apenas se sentarem e descansarem, mas nesse momento Cínthia acordou. A
princípio, ela se assustou com a presença do rapaz, mas Phillip a acalmou.
- calma, ele
nos ajudou... – tentou dizer – ele é...
- sou amigo
– disse Jude, interrompendo-o, as mãos levantadas para mostrar que não segurava
nada, equivocadamente, como se uma arma estivesse sendo apontada para ele.
Phillip
explicou com a ajuda do outro rapaz o que houve, e Cínthia finalmente relaxou.
- e de onde
você vem? – ela perguntou, já acomodada no chão, onde os três se sentavam.
- de longe.
Muito longe – Jude respondeu, misterioso.
Os três
começaram a ponderar sobre cada acontecimento, uma vez que nenhum deles fazia
idéia do que havia acontecido.
Todas as possibilidades
foram consideradas, embora eles soubessem que no fundo nenhuma delas fazia
sentido. Cínthia e Phillip contaram ao outro rapaz o que lhes acontecera, e ele
contou como havia chegado até eles. Contou sobre o lugar com pedras altas, e
sobre as vozes que tentou seguir, mas que perdera de vista. E que quando as
reencontrou, juntou as peças e interferiu para salvar os dois jovens.
Phillip
contou um pouco sobre si, mas nada que disse ajudou.
Cínthia,
Jude e Phillip conversaram e conversaram, e cada um aprendeu um pouco mais
sobre o outro. Nesse meio tempo, o sol se punha no horizonte, alem daquele
oceano de grama que se estendia a frente deles, mais longe que qualquer um
deles pudesse correr.
- eu não sei
o que houve, me lembro apenas de dormir em minha cama ontem e acordar hoje
embaixo de uma arvore – disse Cínthia, preocupada.
- se isso
ajudar, ontem a noite eu dormi no Afeganistão – retrucou Jude, ironicamente,
mostrando sua jaqueta camuflada onde tinha seu nome e mostrava sua patente de
soldado.
Phillip riu,
e sua risada contagiou Jude e Cínthia, e por mais que eles estivessem num lugar
totalmente desconhecido, e por sua vez perigoso, eles estavam juntos e
encontravam nessa total ignorância um motivo para rir. Aquela risada foi o que
os alimentou, durante todo o tempo que eles conversaram sobre os diversos
assuntos.
Então o
cansaço os abateu, e eles dormiram.
Eles
descansaram e sonharam, imaginando um mundo onde não houvesse a aventura que
estavam prestes a entrar. Desejaram de coração que tudo acabasse, que suas
vidas voltassem ao normal.
A luz do
luar passava entre os galhos das arvores, cedendo uma aura cândida ao local de
repouso dos viajantes. Os sonhos deles foram banhados pela luz, e os pássaros
cantaram pela ultima noite que eles teriam de paz.
As horas
correram.
O tempo
passava e aquele lugar continuava iluminado, como se não existisse dia nem
noite, começo nem fim, apenas os três pontinhos dispersos como estrelas numa
galáxia.
J
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