segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Chapter VI - Men of Good Fortune


Seus olhos piscaram e se abriram.
Ele levantou da areia manchada de sangue e segurou firme sua arma. Tentou correr, mas alguém lhe segurou. Quatro homens de verde passaram na sua frente, e estrondos depois, dois deles eram jogados ao chão, para nunca mais se levantarem.
Os enormes barcos escuros atracavam na areia, as rampas desciam, soldados desembarcavam. Muitos iam rastejando até algum lugar onde se escondiam. Pessoas gritavam, tiros ecoavam, corpos caídos no chão eram pisoteados, e explosões eclodiam ao redor.
Tentou se refugiar atrás dos destroços de uma parede, mas ainda assim tiros passavam próximos de seu corpo. Soldados corriam e tentavam se proteger. O jovem cadete ao seu lado era atingido e caia no chão sangrando. Uma granada era arremessada na sua direção. Dois segundos depois, ela explodia e um clarão tomava conta de sua vista.
Suando, Jude acordou ofegante.


O dia amanhecera cinzento, como se fosse noite de inverno. Não estava frio, mas estava quase escuro. O vento não fazia barulho, mas castigava as folhas da arvores cruelmente. Se tivessem uma fogueira, as chamas estariam bruxuleando.
Jude continuou sentado onde despertara, apenas observando ao seu redor enquanto Phillip e Cínthia ainda repousavam. Os pesadelos de antigamente haviam voltado. Ele não recuperara o sono após isso. Depois, quando Phillip e Cínthia acordaram, os três recomeçaram a andar.
Seguindo por uma estrada feita de pequenas pedras, eles caminharam por horas, novamente. A paisagem quase não mudava, mantendo sempre o horizonte ao fim de uma longa e lisa extensão de grama verde a esquerda deles. A direita erguia se uma enorme elevação de terra, uma colina verde, com arvores no topo. Parecia a eles que a circundavam, seguindo aquela estreita estrada.
Com os pés doloridos, os corpos cansados, eles concordaram silenciosamente em descansar, sem uma palavra sequer. Saíram da estrada e se sentaram alguns metros acima na colina. A grama verde macia proporcionou um momento de descanso que eles desfrutaram intensamente.
Cada um olhando para o outro. Um sentimento de dizer algo, qualquer coisa, subia por suas espinhas. Eles continuaram em silencio, mesmo notando que a hora era propensa para descobertas e decisões. Logo, fome eles começaram a sentir fome também.
- e o que fazemos agora? – perguntou Cínthia.
- não podemos ficar aqui muito tempo, só até a gente recuperar o fôlego. – disse Phillip.
- tem razão... – respondeu Jude, sem olhar para ele. – então voltaremos pra estrada.
E eles tinham um plano. Pelo menos, até a próxima meia hora.
- fome e sono. – disse Cínthia, lentamente. – tem combinação melhor?
- durma um pouco. Acordamos você. – assegurou Phillip.
- aqui. Use isso. – Jude lhe arremessou sua jaqueta.
Ela agradeceu, e se deitou na grama. Phillip se levantou de repente.
- você está ouvindo isso? – perguntou.
Os três silenciaram. Eles olharam em volta, analisando, procurando. Então eles ouviram. Alguém correu próximo a eles, puderam ouvir seus passos na grama. Ninguém a vista. Cínthia se levantou. Os três olhavam na direção de onde ouviram os passos. Então alguém passou correndo atrás deles. Eles se viraram. Ainda ninguém a vista.
- nem pense em perguntar se tem alguém ai – censurou Jude, quando Phillip começou a ficar tenso. Este lhe devolveu o olhar.
Os três ficaram mais próximos, atentos ao redor, esperando por algo que não tinham certeza do que era, mas que suspeitavam com certeza. Então algo passou zunindo pela orelha de Cínthia. Ela gritou e se abaixou. Phillip viu de onde viera o disparo, e deu um passo em frente, mas foi paralisado pelo que ouviu em seguida. Um grito. Um grito ensurdecedor, grave, contínuo, que lhe arrepiou por inteiro.
Jude o puxou para o chão.
- não mate a gente. – sussurrou.
De joelhos, ele fez sinal para que Cínthia e Phillip o imitassem. E não precisaram esperar mais do que alguns instantes após o fazerem.
Logo apareceram varias pessoas de lugares que os três jamais considerariam como esconderijos. Jude observou mais ou menos quinze homens descendo a colina em direção a eles, enquanto outros poucos formavam um circulo ao redor dos três. Eles usavam vestes simples, tons de amarelo e marrom, calças e camisas compridas, algumas mais sujas que outras.
Cínthia notou as espadas na cintura de cada um dos que os cercavam. Bem ao lado da espada, alguns possuíam facas compridas, com uma tira de couro atravessava diagonalmente o peito. Dois ou três tinham a mão apertando o cabo de suas armas. Embora fizessem uma carranca intimidadora, se podia notar que não eram de fato maléficos por natureza. Mais para uma elite de guarda, ou batedores de um exercito.
- como não os vimos antes? – perguntou Cínthia, em sussurros.
- eles devem saber como não serem vistos – respondeu Phillip no mesmo tom. – sabem como não serem ouvidos...
- aí vêm mais perguntas! – interrompeu Jude, apontando com a cabeça.
Descendo a colina, vinham dois homens. De longe, podia se notar que eram algum tipo de autoridade entre os homens, tanto pelo jeito de se vestirem, quanto pela aura de comando que emanavam. Suas roupas eram mais escuras que as dos outros homens, quase pretas, e eles eram os únicos que usavam um chapéu. De feltro, escuro como seus casacos. 
Eles se aproximaram, e interromperam sua conversa quando entraram no circulo que se formava ao redor dos três jovens. O homem a direita se inclinou para o companheiro e cochichou algo em seu ouvido. Os dois riram.
O que estava a esquerda chegou bem perto de Jude, Cínthia e Phillip, que ainda estavam imóveis de joelhos na grama. Quando o fez, puxou de algum lugar em suas costas uma faca comprida, um pouco manchada, que fez um tinido no ar como se estivesse cortando o vento.
Ele se abaixou e examinou o rosto de Jude, tão próximo que Jude pôde sentir seu hálito de bebida. Ele segurou pelo queixo do rapaz e examinou os lados de seu rosto. Jude fechou os punhos com força, tentando se controlar para não arrancar a faca da mão do homem e fazer um refém para fugir daquela situação. Mas seria arriscado tentar aquilo, já que alguns dos homens possuíam arcos e flechas que poderiam fazer um bom estrago.
O homem estava agora examinando Phillip, já havia passado por Cínthia. Então ele ficou ereto novamente e voltou para perto do seu amigo de chapéu. Disse algo em seu ouvido e saiu andando colina acima. O líder que ficou examinou os três reservadamente de cima a baixo, andando em volta deles. Após alguns segundos, disse pensativo.
- ele tem razão...  – e então seus olhos faiscaram, mas durou apenas um instante, o suficiente para não ser notado por ninguém. Ordenou para os três – levantem-se, e venham comigo.
Jude, Cínthia e Phillip se entreolharam. A ordem foi tão inesperada quanto seria uma ordem para que os matassem. Mas por um lado, eles sentiram aliviados. Então se levantaram lentamente, tentando não fazer nenhum tipo de gesto que seus captores poderiam tomar por perigoso ou ameaçador. Caminhando devagar, prestando atenção a sua volta, no rosto de cada um dos homens que agora pareciam relaxados, conscientes da idéia de que seus próprios chefes não consideravam os três jovens uma ameaça.
Atrás de Jude, Cínthia e Phillip, os homens os seguiram ordenadamente, marchando em fila.
- o que você acha disso tudo? – perguntou Phillip à Cínthia, olhando veemente para trás.
- melhor desse jeito do que amarrados e com a ponta de uma espada na nossa garganta. – respondeu ela.
- tudo bem, mas o que você acha que vai acontecer desta vez?
- olhe, quando eu tentei prever os possíveis desfechos da ultima situação, eu não tive muita sorte. Desta vez eu sinceramente espero que não tenha sorte também. – disse, alarmada.
Phillip não respondeu, pensativo. Passou a observar onde os dois homens de chapéu os levavam. Jude estava a alguns passos à frente, andando apressado, tentando alcançar algum deles. Havia esquecido sua jaqueta, Phillip notou, e ao olhar para trás, não viu nenhum dos homens a trazendo. Jude estava apenas com uma camisa verde, um pouco suja nas costas. Phillip olhou para si mesmo. Suas roupas estavam sujas também. Sua blusa azul manchada de terra, e algo que pensou por um momento ser sangue. Seus jeans azuis não apresentavam muito estrago, o que o deixou momentaneamente feliz.
Cínthia notou Phillip observando suas roupas, e olhou para as próprias. Seu suéter uma vez fora branco, agora tinha folhas e pequenos pedaços de galhos presos. Parecia que ela havia brigado com um arbusto. Os jeans escuros estavam sujos também, mas não aparentavam, apenas pela leve camada de poeira da estrada na qual passaram maior parte do dia.
Ela olhou para trás e flagrou um dos soldados olhando-a atravessado. Examinando-a. Ela comparou suas roupas com as dele e se deu conta do motivo de serem tratados desse jeito. Ela se sentiu extremamente deslocada naquele momento.



O terreno íngreme não lhes ajudava, e a escalada foi árdua. Jude se mantinha adiantado em relação a Phillip e Cínthia. Tinha esperança de conseguir descobrir algo com os homens de chapéu. Estes andavam rápido e pareciam não ter problema algum em andar num terreno com um ângulo de quase sessenta graus de elevação.
Quando os dois pararam em determinado ponto, Jude conseguiu alcançá-los. Ao que ia lhe dirigir a palavra, Jude olhou para trás. Ou melhor, para baixo. O pequeno lugar onde Phillip, Cínthia e ele haviam parado para descansar estava há muitos, muitos quilômetros abaixo. 
- mas que mer- tentou dizer, mas foi interrompido.
- quinze minutos, apenas. – disse um dos homens de chapéu. Sua voz era grave, e confiante. Voz de um comandante nato e excelente combatente.
Jude se virou. Notou que agora eles estavam parados bem no pico do topo daquela, agora considerava uma, montanha. Sua expressão de “mas-que-diabos!?” denunciava e fazia todas as perguntas que passavam por sua mente naquela hora. O homem tirou o chapéu por um segundo, passou a mão pelo cabelo liso e curto e recolocou o chapéu. Sua voz soou pastosa.
- nomes são para amigos, então não precisamos deles agora – disse, acenando com cabeça, dispensando quaisquer apresentações – seus olhos não puderam ver o que você esteve fazendo esta tarde toda, mas agora, aqui, longe da ilusão, você pode tomar conhecimento.
Cínthia e Phillip alcançaram o cume da montanha e se juntaram a Jude. Jude olhou para baixo novamente. Para a estrada em que estivera andando com os dois. E se chocou ao notar que ela circundava a montanha que eles se encontravam agora. Formava um circulo perfeito, um circulo que os três passaram horas e horas andando e andando. Cínthia levou as mãos à cabeça.
- em círculos – disse, descrente. – a elipse é tão grande que não percebemos que era uma curva. Assim como...
-... A circunferência da Terra. – completou Jude, também desnorteado.
Phillip se virou para o homem de chapéu.
- e essa montanha? – perguntou, angustiado.
- mera ilusão. – respondeu inocentemente o homem – nada que não poderia ser evitado se tivessem o cuidado de olhar com atenção.
Naquele momento Phillip teve vontade de acertar um murro no rosto dele.
- aqui, - disse, se virando – vou mostrar a vocês.
Ele apontou para o horizonte, a extensa planície de terra verde do outro lado da estrada. Mesmo de longe, era como se os cinco pudessem ver o vento balançando a grama alta, no chão. A grama parecia viva, para lá e para cá, dançando ao vento sem sair do lugar.
Então aquela visão embaçou. Jude, Cínthia e Phillip se assustaram. Era como se o horizonte estivesse saindo e entrando em foco. Logo, o horizonte sumia, e então aparecia de volta.
- olhem com mais atenção. – disse o homem de chapéu que ficaram em silencio até agora – com mais vontade.
Os três obedeceram. Olharam com o intuito de ver através do plano. Através da ilusão. Ver claramente. Descobririam mais tarde que aquele era o segredo: Desejar ver.
Então, de um segundo para o outro, a planície verde que parecia viva se mexendo ao vento desapareceu. A cor daquela paisagem sumiu, dando lugar a verdadeira imagem que eles estavam contemplando o tempo todo.
Montanhas e mais montanhas de terra enegrecida, queimadas, mortas. O solo de pedra chamuscada, pequenas chiados vindo do terreno, brasas ainda soltando baforadas de fumaça. Ruínas destruídas, outrora templos de alguma coisa em seus dias de gloria. Em alguns lugares, membros humanos, ossos jogados por todos os lados. Claramente restos mortais de muitas pessoas em todo lugar. Alguns carbonizados. O próprio ar tinha cheiro de cinzas agora.
Os três olharam em volta, apenas para notar que estava em todo lugar. O próprio chão que pisavam havia se transformado. Cínthia tapou a boca com as mãos, enojada pelo odor de morte que agora sentia. O sol havia diminuído sua luz, e eles viram que o céu estava vermelho, apenas o horizonte continuava azul, divido por uma cadeia de montanhas não tão distantes quanto parecia.
- meu Deus... – exclamou.
- Deus? – perguntou irritado o homem de chapéu que lhes ensinara como olhar – os deuses esqueceram esse lugar.
E se afastou em direção aos seus homens, chutando, onde passou, pedaço de algo que nenhum dos três queria descobrir o que era.
- o que houve aqui? – Cínthia conseguiu perguntar.
- bem, eu poderia contar, - começou o homem de chapéu – mas acho que seria melhor se vocês comessem algo antes.
O pensamento desviou a mente dos três jovens da paisagem arruinada e os fez focar na situação novamente. Eles estavam famintos. Era como se o estômago de cada um deles roncasse alto quando ouviram a idéia. Tentaram ser discretos, entretanto. Mas foi preciso apenas um vislumbre do brilho que perpassou os olhos dos três para o homem de chapéu notar como lhes agradava tal pensamento.
 O outro homem que usava chapéu se juntava a eles, trazendo um dos seus homens consigo. Ele atirou uma mochila aos pés dos três jovens, e começou a descer o outro lado da montanha, cuidadosamente. Phillip abriu a mochila apenas para encontrar comida dentro. Algumas barras de chocolate, cantis de água, frutas e alguns pedaços de pão. Os três, famintos, fizeram uma refeição improvisada, até que seus estômagos pararam de roncar e o cansaço sumisse aos poucos. Logo, eles estavam acompanhando o resto dos homens montanha abaixo.
O terreno era perigoso, escorregadio, trapaceiro. Tentaram avançar com o máximo de cuidado possível, sempre seguindo as dicas dos homens de chapéu. Duas vezes Jude vislumbrou o verde ao seu redor, sempre tendo que parar de andar e respirar fundo para enxergar claramente de novo.


Horas mais tarde, a mera lembrança do que os três viram era suficiente para lhe dar uma sensação ruim no estomago. Phillip e Cínthia andavam em silencio, e dessa vez Jude andava atrás deles. Cada linha de pensamento que passava por suas mentes era tão pessoal que eles não se atreviam a repetir em voz alta O cenário agora era um solo marrom de terra. Duro, com pontiagudas pedras brotando do chão. Era um vale profundo, isolado por dois penhascos que se estendiam ao longo do trecho, formando duas paredes de rochas. Era como se estivessem num canyon de menor porte.
O solo, tão sólido, não deixava para trás marca alguma de pegadas.
Marchando normalmente, os homens que seguiam os dois de chapéu conversavam entre si, embora nem Jude, Cínthia ou Phillip conseguisse entender uma palavra. Quando os soldados olhavam ao redor, os três jovens notavam as expressões nos rostos, nos olhares. Mas os três não tinham o menor desejo de perguntar. Iriam esperar pela hora que eles decidissem contar algo.
- chegamos. – avisou repentinamente, para todos, um dos homens de chapéu, apontando para alguma coisa na parede rochosa à esquerda. 
Houve um murmúrio de contentamento entre os homens atrás dos jovens, e eles logo apressaram o passo. Phillip, Jude e Cínthia se apressaram para ver o que o homem estava apontando. Eles viram os dois homens de chapéu apalpando a parede vermelha atentamente, até que eles encontraram algo, e deram um puxão forte. E ali na parede, se formou uma escada de mão, feita de pedra.
Ela subia até o alto da parede montanhosa. Os soldados começaram a subir sem hesitar, demonstrando que faziam isso muitas vezes. Um atrás do outros, fazendo suas espadas e equipamentos tilintarem ao levantarem as pernas para alcançar outro degrau. Ao que restavam apenas os três jovens e o homem que lhes dera a bolsa com comida, ele colocou a mão na escada e subiu um degrau. Olhou para trás, para Cínthia, Phillip e Jude, e perguntou:
- o que estão esperando?
Ele o disse ostentando um sorriso no canto da boca, certamente estava se divertindo na duvida e surpresa dos três. Sem esperar uma resposta, ele lhes virou as costas e começou a subir. 
Os três se entreolharam. Phillip deu de ombros e começou a subir a escada. Jude seguiu logo atrás. Mas Cínthia sentiu um calafrio subindo sua espinha. Ela olhou em volta, a procura, e não encontrou nada. Sabendo afinal o que fora aquilo, ela respirou fundo e começou a subir atrás de Jude, se perguntando coisas das quais ela sabia que jamais encontraria as respostas.

 


                                                               


L

Nenhum comentário:

Postar um comentário